O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, decidiu que a autarquia comemorará, este ano, o 25 de Novembro de 1975. Em primeiro lugar, deve reconhecer-se que a data merece ser comemorada, sobretudo, em Lisboa, que foi palco dos principais acontecimentos e que foi a região do País onde se registou a declaração de Estado de Sítio, o mais elevado patamar de uma situação em que, nos termos constitucionais, podem ser aplicadas medidas de exceção.

O desfecho do 25 de Novembro, que restabeleceu os valores e o projeto do MFA, foi assegurado pelos mesmíssimos capitães de Abril que tinham levado a cabo o golpe que conduziu à Revolução dos Cravos. Entre os vencedores, quase todos conotados com a esquerda democrática – e muitos deles bem à esquerda do PS, num espaço ideológico hoje ocupado pelo Livre… – estão lá os principais capitães do 25 de Abril, à exceção de Otelo Saraiva de Carvalho – que, no entanto, durante os acontecimentos, se absteve de intervir, mesmo que fosse ao lado da ala radical (que perdeu). Basta recordar os nomes de Melo Antunes (mentor e redator do Documento dos Nove, que separou as águas entre radicais e moderados) e Vasco Lourenço. Da direita militar, se descontarmos o caso de Pires Veloso, comandante da Região Militar do Norte e que apreciou os acontecimentos à distância, apenas se destacou Jaime Neves, embora com um papel operacional decisivo. Mesmo Ramalho Eanes, hoje tão incensado à direita, que comandou as forças moderadas, no terreno, viria a tornar-se persona non grata para Sá Carneiro. De tal forma que, em 1980, o PSD e o CDS preferiram apoiar o general Soares Carneiro, para as eleições presidenciais desse ano. Melo Antunes, aliás, uma intervenção histórica, produzida após a normalização no País, salvou o PCP da ilegalização e falou do caminho “para a construção do socialismo”, descartando quaisquer soluções “de direita” que restabelecessem “uma sociedade capitalista”. O que moveu, portanto, os militares vencedores do 25 de Novembro, foi o objetivo de evitar uma nova ditadura, desta vez, comunista, e de disciplinar as Forças Amadas que, por essa época, em vez de seguirem a tradicional disciplina, tomavam decisões basistas, sufragadas em assembleias de soldados que votavam de braço no ar. Portanto, o que a direita comemora – e o PS, que foi o principal beneficiado do 25 de Novembro e a principal força civil a ter um papel ativo, ao lado dos vencedores, agora renega, vergonhosmente – é um momento de afirmação… do socialismo democrático! Carlos Moedas, André Ventura, Rui Rocha, Mário Soares, Vasco Lourenço e Melo Antunes entram num bar… E o que é que acontece a seguir?

A este propósito, não deixa de ser irónico que Carlos Moedas escolha para fotografia do cartaz comemorativo uma imagem de um comício do PS, ocorrido cinco meses antes, na Fonte Luminosa, onde se vê uma grande multidão. Se Moedas queria ter povo na fotografia, esta era a única hipótese, visto que, a 25 de Novembro de 1975, o povo, embora maoritariamente a festejar, teve de o fazer em casa, retido pelo estado de sítio. A imagem do cartaz tem alguma lógica, porque começou nesse comício, de 19 de junho, na Fonte Luminosa, o movimento de massas que suplantaria os comunistas e a extrema-esquerda, nas ruas do País. E essa inciativa do PS, em que intervieram Mário Soares e Salgado Zenha, albergou, na Alameda, todo o povo não comunista, independentemente de simpatizar, ou não, com os socialistas.

Mais problemática é a homenagem que a CML vai fazer, na Calçada da Ajuda, ao depositar uma coroa de flores em memória dos dois militares dos Comandos caídos, o tenente José Coimbra e o furriel Joaquim Pires. Isto ocorreu durante a única escaramuça registada durante a crise – aliás, na manhã, já, de 26 de novembro – quando aquela força especial, liderada por Jaime Neves, cercou a última bolsa de resistência dos radicais, o quartel da Polícia Militar (PM), comandado por Campos de Andrada e Mário Tomé – o conhecido major Tomé que viria a ser deputado pela UDP. Como fica dito, morreram, de facto, dois comandos, tombados em nome da liberdade. Mas houve outra vítima: também morreu um terceiro militar (outro militar português), o aspirante Albertino Bagagem, este, da PM, agora completamente ignorado pela homenagem da CML.

Quase 50 anos depois, a esquerda quer apoderar-se do 25 de Abril e a direita do 25 de Novembro. Ambas estão erradas e estas apropriações são ilegítimas. Ora, se o 25 de Novembro tem sido uma data divisiva, Moedas teria, com esta iniciativa, a oportunidade rara de avançar com um gesto de reconciliação, se incluísse na homenagem a terceira vítima (ignorada, apenas, porque estava do outro lado da barricada), que também era militar e também era português. Aliás, o debate anunciado, no Palácio Galveias, à tarde, continua a vincar a divisão: os oradores são José Miguel Júdice – que, à data dos fatos, pode ter tido ligações à direita revanchista e não democrática, embora aqui se faça a justiça de reconhecer que ele, posteriormente, sempre negou essas ligações – e Álvaro Beleza, o pin de esquerda (da direita da esquerda…) na lapela de Carlos Moedas e que serve para disfarçar uma operação sectária da Câmara. A moderadora é uma historiadora e comentaora de direita, Helena Matos. O presidente da Câmara de Lisboa perde, aqui, outra oportunidade de ouro de brilhar e de trazer o 25 de Novembro para os termos em que qualquer democrata se revê: organizava uma conferência em que pudesse integrar protagonistas vivos, de um lado e do outro – e eles, não faltam, de Ramalho Eanes a Duran Clemente, de Mário Tomé a Vasco Lourenço. Seria mais honesto, mais conciliador mais exato e mais justo. Moedas preferiu ser faccioso. Que lhe faça bom proveito.

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25 de Novembro: Carlos Moedas, Mário Soares, Melo Antunes e Vasco Lourenço entram num bar…A opinião de Filipe Luís

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24.11.2023

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, decidiu que a autarquia comemorará, este ano, o 25 de Novembro de 1975. Em primeiro lugar, deve reconhecer-se que a data merece ser comemorada, sobretudo, em Lisboa, que foi palco dos principais acontecimentos e que foi a região do País onde se registou a declaração de Estado de Sítio, o mais elevado patamar de uma situação em que, nos termos constitucionais, podem ser aplicadas medidas de exceção.

O desfecho do 25 de Novembro, que restabeleceu os valores e o projeto do MFA, foi assegurado pelos mesmíssimos capitães de Abril que tinham levado a cabo o golpe que conduziu à Revolução dos Cravos. Entre os vencedores, quase todos conotados com a esquerda democrática – e muitos deles bem à esquerda do PS, num espaço ideológico hoje ocupado pelo Livre… – estão lá os principais capitães do 25 de Abril, à exceção de Otelo Saraiva de Carvalho – que, no entanto, durante os acontecimentos, se absteve de intervir, mesmo que fosse ao lado da ala radical (que perdeu). Basta recordar os nomes de Melo Antunes (mentor e redator do Documento dos Nove, que separou as águas entre radicais e moderados) e Vasco Lourenço. Da direita militar, se descontarmos o caso de Pires Veloso, comandante da Região Militar do Norte e que apreciou os acontecimentos à distância, apenas se destacou Jaime Neves, embora com um papel operacional decisivo. Mesmo Ramalho Eanes, hoje tão incensado à........

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