Nesta segunda-feira, o PR tentou explicar, finalmente, a intervenção da Presidência da República no caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento mais caro do mundo. Os serviços recuperaram correspondência (incluindo digital) trocada há mais de quatro anos e, entre outros documentos, descobriram que o filho do Presidente, Nuno Rebelo de Sousa, lhe havia enviado um email, expondo o caso de “uns amigos” que gostariam que as filhas gémeas fossem tratadas em Portugal. O Presidente não especificou, com clareza, se o email lhe solicitava que intercedesse ou se era apenas um pedido de informações. O modus operandi é a todos os títulos estranho: na versão de Marcelo, um familiar próximo do Presidente da República expõe um caso particular, como se fosse um cidadão comum a pedir os bons ofícios do PR, exatamente como fazem milhares de portugueses que todos os anos escrevem ao Presidente, a pedir “uma casinha”, a solicitar um emprego ou a requerer um subsídio (Marcelo não respondeu se falou com o filho, pessoalmente). Não ficou claro, na exposição de Marcelo, como se faz a triagem desta correspondência – nem o PR esclareceu se foi um email pessoal, dirigido ao pai, ou impessoal, dirigido ao Presidente. Uma trapalhada, que esta conferência de imprensa repentina, sem nenhum planeamento prévio de spinning político, veio adensar. (A candura de Marcelo, nestas circunstâncias, talvez seja até o melhor penhor da sua boa-fé…) O PR exibiu o trunfo de uma carta, em que os serviços de Belém, depois de indagarem junto do SNS, explicam que têm preferência os nacionais e residentes em Portugal. Nada, nesse documento, indicia qualquer tratamento de favor. Marcelo afirma que a intervenção de Belém terminou a partir do momento em que reencaminhou a documentação para a Presidência do Conselho de Ministros (?) – não se percebeu bem… – e/ou para dois chefes de gabinete, no Governo.

Pelo exposto, Marcelo não deu, de facto, uma ordem, não fez um pedido, nem deixou uma sugestão: não teve intervenção direta. Mas o PR não ignora que, ao mostrar o seu interesse num determinado caso concreto e particular, esse caso será tratado de forma distinta de qualquer outro. Tanto mais que tudo é espoletado por um pedido – esta é a palavra correta… – do seu filho Nuno. A cultura de subserviência de muitos dirigentes da Administração Pública, bem como o empenho de governantes que não querem hostilizar o Presidente, fazem o resto. Fala-se – está por demonstrar – numa consulta marcada num timing preferencial pelo então secretário de Estado da Saúde – o que repete o padrão do obséquio de outro secretário de Estado, na tentativa de alteração do horário de um voo da TAP, para não alienar “o melhor aliado do Governo”…

QOSHE - Marcelo e o “Gémeasgate” - Filipe Luís
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Marcelo e o “Gémeasgate”

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06.12.2023

Nesta segunda-feira, o PR tentou explicar, finalmente, a intervenção da Presidência da República no caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento mais caro do mundo. Os serviços recuperaram correspondência (incluindo digital) trocada há mais de quatro anos e, entre outros documentos, descobriram que o filho do Presidente, Nuno Rebelo de Sousa, lhe havia enviado um email, expondo o caso de “uns amigos” que gostariam que as filhas gémeas fossem tratadas em Portugal. O Presidente não especificou, com clareza, se o email lhe solicitava que intercedesse ou se era apenas um pedido de informações. O modus operandi é a todos os títulos estranho: na versão de........

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