“Um governo de combate.” O que quer que se queira dizer com isso, esta é a expressão mais ouvida ao longo da última semana. Mas o que é um governo de combate? Não é, com certeza, um executivo que pretenda fazer guerra à oposição, disparando em todas as direções. Pelo contrário, um governo de combate deve lutar contra os bloqueios, promovendo diálogo e negociação. Um governo de combate também não é uma equipa determinada a fazer, de uma vez por todas, as reformas que “o País reclama” – mais uma vez, o que quer que isso queira dizer. Pelo contrário: no quadro de uma maioria relativa frágil, e obrigado a negociar à esquerda e à direita, o Governo nunca será capaz de fazer reformas estruturais, a não ser que consiga alguns acordos de regime com o PS (por exemplo, na área da Justiça). Um governo de combate é então o quê?

Vale a pena recuar 45 anos e olhar para o executivo de Francisco Sá Carneiro, saído das eleições intercalares de 1979 e com um “contrato” para um ano – até às legislativas aprazadas para o calendário normal, em 1980. Era o início da mítica AD, marca que Montenegro e Nuno Melo recuperaram, não se sabe, ainda, se em boa hora. Esse, sim, foi um verdadeiro governo de combate. Eles sabiam que durariam um ano, e que tinham de “deixar a pele em campo”. Para esse “combate”, dispunham, porém, de uma arma que Montenegro não tem: uma maioria absoluta. E a ideia era a de trabalhar, naquele curto espaço de tempo, de forma a convencer os eleitores a reforçar essa maioria. Como, aliás, aconteceu. O líder da primeira AD não olhou, pois, a meios nem a despesas para conduzir um executivo que desse à sociedade todos os sinais de mudança e dinamismo. Com uma primeira intervenção do FMI pedida e paga pelos governos de Mário Soares, as contas estavam muito melhores do que em 1976, quando o PS herdara a situação caótica do PREC. Sá Carneiro, além de uma atividade frenética em todas as frentes das áreas governativas, aplicou medidas populares puras e duras. De combate era também o discurso: na narrativa contra o Presidente Eanes, acusado de fazer o jogo da esquerda e de ter um projeto bonapartista; nas quezílias com o Conselho da Revolução, entendido como uma força de bloqueio às reformas – sempre elas; e no acinte contra os outros partidos, na Assembleia da República, com o jovem ponta de lança das Finanças, Aníbal Cavaco Silva, a tratar “de cátedra” políticos experimentados, como Soares ou Cunhal. Luís Montenegro poderia ter aqui um modelo, se dispusesse de maioria absoluta. Mas tem aqui um exemplo, por se registarem alguns pontos em comum: como Sá Carneiro, o líder da atual AD vai ter de lidar com os calendários. Ao contrário do seu precursor, ele não tem a certeza de que haverá novas eleições ao virar da esquina. Mas vai trabalhar, nos próximos meses, como se houvesse. Como Sá Carneiro, dispõe de contas em ordem. E tem um Presidente da República, desta vez, favorável.

QOSHE - O combate do Governo - Filipe Luís
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O combate do Governo

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03.04.2024

“Um governo de combate.” O que quer que se queira dizer com isso, esta é a expressão mais ouvida ao longo da última semana. Mas o que é um governo de combate? Não é, com certeza, um executivo que pretenda fazer guerra à oposição, disparando em todas as direções. Pelo contrário, um governo de combate deve lutar contra os bloqueios, promovendo diálogo e negociação. Um governo de combate também não é uma equipa determinada a fazer, de uma vez por todas, as reformas que “o País reclama” – mais uma vez, o que quer que isso queira dizer. Pelo contrário: no quadro de uma maioria relativa frágil, e obrigado a negociar à esquerda e à direita, o Governo nunca será capaz de fazer reformas estruturais, a não ser que consiga........

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