Ora vamos lá falar de cenários pós-eleitorais. E centremos a discussão no elemento que mais ruído vai provocar em campanha e naquele que mais condicionará as estratégias e os discursos, à esquerda (no PS, que agitará o papão da extrema-direita) e à direita (no PSD, que será pressionado pelas escolhas pós-10 de março): André Ventura e o Chega.

Cenário um: O PS ganha as eleições, mas a direita, no seu conjunto, dispõe de uma maioria parlamentar. Luís Montenegro, porém, cumprindo a sua promessa de que não avançaria se não ficasse em primeiro, não se mexe. O Presidente da República indigita o líder do partido mais votado, Pedro Nuno Santos, como primeiro-ministro. Mas, na apresentação do programa de governo, uma moção de rejeição lançada pela direita (pelo CDS…) é aprovada e o governo não passa. Pedro Nuno mantém-se como chefe do governo de gestão, enquanto Luís Montenegro vai construindo um executivo alternativo, à direita, negociando, então, com IL, CDS e… Chega. O líder do PSD cumprirá, formalmente, a sua promessa de que não quis ser primeiro-ministro, porque não ganhou as eleições. Mas agora, visto que o PS não conseguiu fazer passar o seu governo, considera-se libertado dessa obrigação. (Ou então, sai de cena e outra figura do PSD faz o arranjinho.) André Ventura ganha.

Cenário 2: O PSD fica em primeiro lugar em número de votos e de mandatos – ou, pelo menos, em número de votos. Luís Montenegro é o líder do partido mais votado e tem o caminho livre, porque existe uma maioria de direita (que inclui o Chega). Mas Montenegro, indigitado pelo Presidente Marcelo, e cumprindo a sua promessa eleitoral, não conversa com o Chega, limitando-se a garantir o apoio de IL e CDS, incluindo estes partidos no seu governo. Deixa ao Chega o ónus de apoiar ou de rejeitar um governo de direita. Como não foi chamado, André Ventura, cumprindo a sua promessa, apresenta uma moção de rejeição. No entanto, como o PS não tem maioria à esquerda e, portanto, não tem uma alternativa de governo, Pedro Nuno mantém-se fiel à filosofia de 2015 e não apresenta qualquer moção. A moção do Chega é rejeitada com os votos contra da restante direita e a abstenção da esquerda – que jamais apoiará qualquer iniciativa do Chega. O executivo passa. Fica provado que é possível haver um governo de direita, em Portugal, sem o Chega. E André Ventura perde.

Cenário 3: O PSD ganha as eleições, mas não há maioria de direita no Parlamento. Pedro Nuno Santos anuncia que apresentará uma moção de rejeição a qualquer governo liderado pelo PSD e começa a trabalhar numa nova Geringonça à esquerda. Marcelo Rebelo de Sousa, fiel ao seu próprio critério, seguido na sequência das eleições açorianas de 2021, não perde tempo a indigitar um primeiro-ministro sem hipóteses, e “nomeia” (como Cavaco fez com Costa, em 2015…) Pedro Nuno Santos para formar governo, mas exigindo, como Cavaco, acordos escritos, dentro de determinadas “baias”. E a direita (por maioria de razão, André Ventura) perde.

Cenário 4: Independentemente de quem fica em primeiro lugar, há uma maioria à direita, mas o PSD recusa falar com o Chega. Um governo de esquerda não tem viabilidade. E um governo de direita, liderado pelo PSD, conta com uma moção de rejeição do Chega – que só o Chega vota favoravelmente. Mas aparece outra moção de rejeição, do PS, aprovada por toda a esquerda e que beneficia da abstenção do Chega. O Presidente da República que, ao contrário de Cavaco, em 2015, mantém intactos todos os poderes constitucionais, incluindo o de dissolução da AR – deixa passar os prazos constitucionais para marcar novas eleições. Mantém-se em gestão o primeiro-ministro indigitado, Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro (ou nenhum deles, caso nem sequer haja condições, à partida, para indigitar ninguém, e António Costa continua…). Neste cenário – o mais improvável –, André Ventura empata.

Em todos estes cenários (em que, por razões de espaço, se ignora o que os resultados de partidos como o Livre e o PAN poderiam provocar), é preferível, para o Chega, uma vitória de Pedro Nuno Santos, desde que haja uma maioria de direita. E em nenhum caso uma vitória de Montenegro lhe será útil. E foi por isso que Marcelo Rebelo de Sousa, o jogador de xadrez, prevendo todas as complicações pós-eleitorais, não quis dissolver o Parlamento enquanto o País não dispusesse de um Orçamento aprovado, que qualquer governo de gestão, de qualquer partido, terá de seguir. Marcelo já garantiu a governabilidade.

Golpe de vista

AD envergonhada ou sem vergonha

A ser verdade que o CDS (e o PSD) pretendem apagar da fotografia da AD histórica a figura de Diogo Freitas do Amaral, estamos perante, não apenas uma vigarice política, mas também um problema moral. Sá Carneiro, Freitas e Gonçalo Ribeiro Telles foram os três vértices de um triângulo que tornou a AD de 1979 e de 1980 possível. E são eles, por igual, os expoentes de uma marca que se tornou uma superbrand política. É preciso descaramento – e uma grande dose de estalinismo – para varrer do “boneco” o histórico fundador do CDS e cofundador da democracia portuguesa.

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Ventura torce por Pedro Nuno? Opinião de Filipe Luís

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10.01.2024

Ora vamos lá falar de cenários pós-eleitorais. E centremos a discussão no elemento que mais ruído vai provocar em campanha e naquele que mais condicionará as estratégias e os discursos, à esquerda (no PS, que agitará o papão da extrema-direita) e à direita (no PSD, que será pressionado pelas escolhas pós-10 de março): André Ventura e o Chega.

Cenário um: O PS ganha as eleições, mas a direita, no seu conjunto, dispõe de uma maioria parlamentar. Luís Montenegro, porém, cumprindo a sua promessa de que não avançaria se não ficasse em primeiro, não se mexe. O Presidente da República indigita o líder do partido mais votado, Pedro Nuno Santos, como primeiro-ministro. Mas, na apresentação do programa de governo, uma moção de rejeição lançada pela direita (pelo CDS…) é aprovada e o governo não passa. Pedro Nuno mantém-se como chefe do governo de gestão, enquanto Luís Montenegro vai construindo um executivo alternativo, à direita, negociando, então, com IL, CDS e… Chega. O líder do PSD cumprirá, formalmente, a sua promessa de que não quis ser primeiro-ministro, porque não ganhou as eleições. Mas agora, visto que o PS não conseguiu fazer passar o seu governo, considera-se libertado dessa obrigação. (Ou então, sai de cena e outra figura do PSD faz o arranjinho.) André Ventura ganha.

Cenário 2: O PSD fica em........

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