O conceito de reforma estrutural remete para a ideia de uma transformação profunda num dado sistema, geradora de mudanças de longo prazo. No debate político em Portugal, muitos vão falando da necessidade dessas reformas. Porém, só faz sentido falar-se de reformas estruturais se ficar claro o que se pretende na prática. Tipicamente, quem mais fala em reformas estruturais consubstancia o conceito no desígnio da liberalização económica, na crença de que quanto mais livres forem os mercados, maior será a competitividade, a produtividade e o crescimento económico. Nessa perspetiva, Portugal sofreria de excesso de burocracia e de peso do Estado, algo que as reformas estruturais (como a baixa de impostos sobre as empresas, privatizações na saúde, educação e segurança social, flexibilização laboral e legal) reverteriam.

Por outro lado, há quem aponte a educação, o investimento público e a política industrial como os verdadeiros motores do crescimento económico de longo prazo, defendendo que as reformas estruturais de que Portugal precisa são o reforço das qualificações das populações acompanhado por uma política económica e de investimento público que crie e fixe em Portugal as organizações de maior valor acrescentado. Neste debate, há espaço para mais conceções alternativas de reformas estruturais e a evidência empírica não é definitiva acerca de quem tem mais razão. Nessa senda, permitam-me trazer uma nova visão: a das reformas estruturais para a felicidade. É que, mais importante do que sabermos que mudanças serão mais eficazes a aumentar a produção, é vital que encontremos aquelas que, sustentadamente, aumentem o bem-estar. Para isso, devemos socorrer-nos dos resultados empíricos da economia da felicidade e perceber o que mais importa mudar estruturalmente em Portugal para termos um país mais feliz. E se o crescimento económico é sempre uma variável de interesse, ela não é a única que importa. Por isso, quando discutimos reformas estruturais, temos que avaliar o impacto dessas reformas na felicidade.

Olhando para os dados mais recentes do Relatório Mundial da Felicidade da ONU e para as regularidades empíricas da economia da felicidade, pode concluir-se o seguinte: Portugal pontua mal na felicidade (posição 56, atrás de países menos desenvolvidos como a Costa Rica, a Roménia, o Uruguai, a Sérvia ou o Brasil); Portugal teve um crescimento significativo da felicidade face ao período de 2008-2012, sendo dos que mais subiu (posição 25 em 137, enquanto países mais desenvolvidos como a Suíça, a Noruega, a Islândia ou os EUA viram a sua felicidade diminuir); Portugal está melhor economicamente do que em termos de felicidade (lugar 36 no PIBpc, lugar 56 na felicidade); em termos de suporte social, Portugal ocupa a posição 49, perto da posição 56 da felicidade; Portugal está muito bem relativamente à esperança média de vida saudável, ocupando a posição 18, e também face à liberdade para fazer escolhas de vida, ocupando a posição 19; Portugal pontua muito mal na generosidade (posição 113 em 137) e na percepção da corrupção (posição 20 dos que mais percepciona corrupção nos sectores público e privado); os portugueses não relatam a vivência de muitas emoções positivas (posição 86 em 137), mas de bastantes negativas (posição 47 em 137). Podemos, ainda, juntar os dados sobre o consumo de antidepressivos per capita, em que Portugal está no topo do mundo.

Tendo em conta estes factos científicos, e não ideias-feitas, ficamos em condições de indicar as áreas fundamentais para as reformas estruturais que mais contribuirão para um aumento da felicidade: 1. Diminuir a percepção de corrupção, o que passa por aumentar a transparência no público e no privado, assim como diminuir a burocracia, descomplicar a legislação e aumentar a eficiência na justiça; 2. Aumentar as oportunidades de partilha, fomentar a participação democrática e promover a eficácia do sector social e cooperativo; 3. Combater o bullying, o assédio e demais violências laborais, escolares e familiares; 4. Educar para a higiene emocional, promovendo boas práticas emocionais nas organizações e em casa; 5. Massificar o acesso ao apoio psicológico, precavendo e combatendo a doença mental; 6. Reforçar a eficácia do Serviço Nacional de Saúde garantindo que não se perdem os bons resultados que se conseguiram; 7. Estimular um crescimento económico de qualidade, que gere aumentos do salário mediano, que absorva a mão-de-obra qualificada produzida e que seja compatível com a protecção ambiental e com a diminuição da carga laboral. É este conjunto de reformas que verdadeiramente fará a diferença no futuro de Portugal.

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As reformas estruturais para a felicidade

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19.12.2023

O conceito de reforma estrutural remete para a ideia de uma transformação profunda num dado sistema, geradora de mudanças de longo prazo. No debate político em Portugal, muitos vão falando da necessidade dessas reformas. Porém, só faz sentido falar-se de reformas estruturais se ficar claro o que se pretende na prática. Tipicamente, quem mais fala em reformas estruturais consubstancia o conceito no desígnio da liberalização económica, na crença de que quanto mais livres forem os mercados, maior será a competitividade, a produtividade e o crescimento económico. Nessa perspetiva, Portugal sofreria de excesso de burocracia e de peso do Estado, algo que as reformas estruturais (como a baixa de impostos sobre as empresas, privatizações na saúde, educação e segurança social, flexibilização laboral e legal) reverteriam.

Por outro lado, há quem aponte a educação, o investimento público e a política industrial como os verdadeiros motores do crescimento económico de longo prazo, defendendo que as reformas estruturais de que Portugal precisa são o reforço das qualificações das populações acompanhado por uma política económica e de investimento público que crie e fixe em Portugal as organizações de maior valor acrescentado. Neste debate, há espaço........

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