Temos uma singularidade curiosa. As televisões generalistas privadas andam a fazer campanha há anos contra o governo do PS.

Basta lembrar que o comentador de domingo no horário nobre da SIC é Marques Mendes, um antigo presidente do PSD e putativo candidato a Belém, que quis fazer as vezes de Marcelo quando este foi eleito presidente da república. Parece que a velha máxima de Emídio Rangel ainda vai povoando muitas mentes, quando afirmava que uma televisão é capaz de eleger um presidente.

Já na TVI o lugar é de Paulo Portas, um antigo presidente do CDS/PP e que ainda agora participou activamente na convenção da AD procurando amedrontar o eleitorado relativamente ao PS. Quando começou o seu comentário de domingo disse-se que só abordaria política internacional. Como se vê anda constantemente a perorar sobre política caseira. E se Mendes ainda tenta disfarçar-se de comentador isento, Portas nem isso, ou por falta de vontade ou de arte. As televisões por cabo lá incluem também uns comentadores de esquerda a par dos de direita, mas sem grande relevância, talvez para passar a ideia de isenção, que é coisa que não existe na antena.

Sabendo que boa parte da população não domina a internet e se alimenta em exclusivo das televisões, por aqui se vê como a direita domina o espaço mediático. Como é óbvio a situação agravou-se em situações de pré-campanha e será ainda pior na campanha eleitoral. As televisões têm o direito de convidar quem quiserem, mas já não têm o direito de trair os princípios deontológicos que enquadram a sua informação, nem de fingir que são isentas. Afinal, a quem querem enganar?

À crise profunda que predomina no jornalismo junta-se a deplorável situação na Global Media, que pertence a um fundo sem rosto. Como foi possível permitir tal coisa? Gente que nem sequer sabemos quem é, nem que agenda têm, a dominar órgãos de informação fundamentais para assegurar o fornecimento dum bem público como a informação a que todos os cidadãos têm direito?

A isto junta-se o desaparecimento dos jornalistas seniores nas redacções, substituídos por estagiários a recibos verdes, que estão mais preocupados em segurar o posto de trabalho e a sua sobrevivência do que em praticar bom jornalismo. São usados para tudo, incluindo fazerem directos constantes em locais e momentos onde não há notícia, apenas para encher chouriços nas televisões por cabo. Ou então, em “atacarem” alguém que está na onda mediática quando vai à rua passear o cão ou buscar um filho pequeno à escola, por vezes com perguntas provocatórias e colocadas num tom agressivo, apenas com o intuito de fazer perder a paciência à figura pública em questão e na esperança de ouvir um soundbite ou alguma palavra menos conveniente.

E é assim que o País começou a perder informação tendo-lhe sido fornecido, em seu lugar, puro entretenimento. Pior. Este tipo de trabalho favorece objectivamente o monstro do populismo, que se alimenta de ressentimentos e invejas sociais, apelando a um homem providencial que venha pôr isto tudo na ordem.

Na realidade a democracia não é um bem garantido e implica um esforço colectivo de tolerância, capacidade de ouvir o outro, mesmo discordando dele, de discutir ideias e não pessoas, de eleger quem nos represente, de confiar nas instituições, de seguir as regras democráticas, e de respeitar os mandatos de quem foi legal e legitimamente eleito. Mas também de cumprir a nossa parte como cidadãos, observando as leis, pagando impostos, contribuindo para a coesão social e exercendo uma cidadania plena. Bill Gates associa mesmo o sucesso à forma como se usa a informação: “O modo como você reúne, administra e usa a informação determina se vencerá ou perderá.”

Acima de tudo, quem não exerce o seu dever cívico do voto também não devia criticar, nem os governantes nem os políticos da oposição. Um cidadão passivo que não faz o mínimo esforço para se informar, que apenas consome o lixo das redes sociais, a cloaca dos tabloides e os comentadores das televisões politicamente enviesadas, não sabe quem é nem de que terra é. Razão tinha Arthur Conan Doyle quando afirmava: “É um erro terrível teorizar antes de termos informação.”

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A quem querem enganar?

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31.01.2024

Temos uma singularidade curiosa. As televisões generalistas privadas andam a fazer campanha há anos contra o governo do PS.

Basta lembrar que o comentador de domingo no horário nobre da SIC é Marques Mendes, um antigo presidente do PSD e putativo candidato a Belém, que quis fazer as vezes de Marcelo quando este foi eleito presidente da república. Parece que a velha máxima de Emídio Rangel ainda vai povoando muitas mentes, quando afirmava que uma televisão é capaz de eleger um presidente.

Já na TVI o lugar é de Paulo Portas, um antigo presidente do CDS/PP e que ainda agora participou activamente na convenção da AD procurando amedrontar o eleitorado relativamente ao PS. Quando começou o seu comentário de domingo disse-se que só abordaria política internacional. Como se vê anda constantemente a perorar sobre política caseira. E se Mendes ainda tenta disfarçar-se de comentador isento, Portas nem isso, ou por falta de vontade ou de arte. As televisões por cabo lá incluem também uns comentadores de esquerda a par dos de direita, mas sem grande relevância, talvez para passar a ideia de isenção, que é coisa que não existe na........

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