Poeta, pregador, teólogo, lógico e pedagogo inglês, Isaac Watts terá sido o primeiro autor de hinos em Inglaterra e um dos mais populares, sendo considerado uma espécie de pai da hinologia inglesa. Escreveu quase 750 hinos para canto congregacional nas igrejas de Inglaterra, que depois foram traduzidos para várias línguas e muitos ainda integram a liturgia cristã.

Em criança Watts recebeu uma educação clássica. Aprendeu Latim, Grego e Hebraico na escola do rei Eduardo VI, e muito cedo se mostrou propenso à rima. Por não vir de uma família conformista (o pai chegou a ser preso pelas suas ideias), foi-lhe vedado o acesso a Oxford ou Cambridge, universidades então restritas a anglicanos por imposição do governo. Estudou então na Academia Dissidente de Stoke Newington.

O seu biógrafo Daniel Johnson conta uma estória não confirmada segundo a qual Watts estava de regresso a casa, vindo da igreja, frustrado porque considerava que os hinos religiosos eram chatos. O pai disse-lhe então para escrever alguma coisa melhor. Talvez por isso tenha redigido no prefácio da sua obra “Hinos e Cânticos Espirituais”: “Enquanto cantamos louvores ao nosso Deus na sua Igreja, somos chamados àquela parte da adoração que, de todas as outras, é mais próxima do Céu; e é uma pena que seja a pior realizada na Terra. É triste ver a indiferença monótona, o ar negligente e irreflectido, presente nos rostos de toda a assembleia enquanto o cântico está nos seus lábios, e pode mesmo levar um observador a suspeitar do fervor da religião interior.

De facto, o cerne da hinologia de Watts baseia-se no seguinte, segundo o próprio: “lembremo-nos de que o próprio poder de cantar foi dado à natureza humana principalmente para este propósito, para que os mais calorosos afetos da alma possam irromper em melodia natural ou divina, e a língua do adorador expressar o seu coração”. Ou seja, Watts não queria que os seus hinos se limitassem a expressar a verdade, ainda que esta fosse inegociável para ele, mas queria que os hinos ajudassem as pessoas a sentir a verdade.

Para ele, cantar na igreja implicava despertar “afeições espirituais nos fiéis.” Watts, de acordo com Johnson, afirmava: “Se cantar a verdade não te levou a sentir com mais intensidade, não estavas a cantar com a atitude correcta. Noutro texto, Watts escreveu que quando cantamos, ‘as afeições espirituais são despertadas dentro de nós’. Então, para Watts, uma das formas de o fazer correctamente e receber a bênção do Salmo 41 é cantar sobre ele, pois cantar sobre compaixão transforma os afetos e torna o cantor mais compassivo.

Assim, cantar as verdades espirituais das Escrituras não deveria apenas mudar a forma de pensar dos crentes, de acordo com Romanos 12:2: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” Watts defendia que, além disso, o canto congregacional devia também modular o sentir dos fiéis.

O evangelista Mateus sublinha que Jesus por vezes se movia de compaixão pelos doentes antes de os curar. E Watts entendia que o canto na igreja tinha que ajudar os fiéis a sentir mais compaixão, mais intensidade, a ser mais generosos e mais parecidos com o mestre de Nazaré.

Watts rompeu com a tradição hinológica cristã, que até aí se confinava à poesia bíblica, em particular o Livro dos Salmos, e que vinha desde a Reforma do século XVI, que se limitava a cantar no culto congregacional os salmos traduzidos. Mas Watts abriu caminho a uma nova hinódia constituída por canções originais inspiradas na experiência cristã, marcando assim uma nova época a que os autores seguintes deram continuidade.

Isaac Watts foi também um dos pastores mais famosos de Londres, e os hinos que escreveu e compôs dominaram o canto congregacional cristão em todo o mundo nos dois séculos seguintes.

MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR

+Não brinquem com a infância

+ Sobre o voto cristão

+O embuste religioso

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

QOSHE - Isaac Watts: um inovador inconformista - José Brissos-Lino
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Isaac Watts: um inovador inconformista

5 1
20.03.2024

Poeta, pregador, teólogo, lógico e pedagogo inglês, Isaac Watts terá sido o primeiro autor de hinos em Inglaterra e um dos mais populares, sendo considerado uma espécie de pai da hinologia inglesa. Escreveu quase 750 hinos para canto congregacional nas igrejas de Inglaterra, que depois foram traduzidos para várias línguas e muitos ainda integram a liturgia cristã.

Em criança Watts recebeu uma educação clássica. Aprendeu Latim, Grego e Hebraico na escola do rei Eduardo VI, e muito cedo se mostrou propenso à rima. Por não vir de uma família conformista (o pai chegou a ser preso pelas suas ideias), foi-lhe vedado o acesso a Oxford ou Cambridge, universidades então restritas a anglicanos por imposição do governo. Estudou então na Academia Dissidente de Stoke Newington.

O seu biógrafo Daniel Johnson conta uma estória não confirmada segundo a qual Watts estava de regresso a casa, vindo da igreja, frustrado porque considerava que os hinos religiosos eram chatos. O pai disse-lhe então para escrever alguma coisa melhor. Talvez por isso tenha redigido no prefácio da sua obra “Hinos e Cânticos........

© Visão


Get it on Google Play