Nos próximos tempos vamos assistir a uma peça de teatro já vista e revista. O Ministério Público vai desprezar olimpicamente o segredo de justiça e utilizar certa imprensa para ir plantando fugas a conta-gotas, no sentido de criar na opinião pública o libelo da culpabilidade do primeiro-ministro demissionário.

O MP é habitualmente o primeiro a infringir a lei e a constituição da república que garantem a presunção de inocência a qualquer cidadão indiciado, suspeito, arguido ou mesmo acusado de algum crime até ao devido julgamento. Nos casos das figuras públicas ainda mais, em nome do interesse mediático e sobretudo de um certo voyeurismo doentio e persistente da população, que inunda a imprensa tabloide e as redes sociais.

No caso presente, e uma vez que o MP estará em maus lençóis se acaso o inquérito da PGR contra António Costa não der em nada, resta-lhe agora levar ao limite as fugas cirúrgicas de informação, como é seu timbre. Só que desta vez não vão poder sacudir as culpas para o sistema judicial porque não se está a ver o Supremo Tribunal admitir fugas de informação.

Até lá, o MP vai tentar cozer António Costa em lume brando no tribunal da opinião pública. Resta saber se a forma frontal, corajosa e digna com que se o primeiro-ministro se demitiu não lhe terá garantido um reforço da sua imagem pública, que já era a de um político hábil, competente, capaz de promover consensos e o governante com maior peso político do país nos últimos tempos e com legítimas aspirações europeias. Sinceramente, duvido da sua morte política.

Entretanto, com uma maioria absoluta de um só partido, obtida nas urnas há um ano e meio, um orçamento em fase final de aprovação, um PRR em plena execução, o país a sair ainda da maior crise inflacionária dos últimos trinta anos, com duas guerras a decorrer, com consequências económicas sérias e na iminência dum conflito global, com o desemprego em mínimos, as contas públicas saudáveis, o rating da república bastante favorável e a dívida pública nos níveis mais baixos dos últimos anos, pareceu aos iluminados que o melhor é ir para eleições. Como se um governo que integre os populistas de extrema-direita ou a reedição duma geringonça à esquerda fossem a melhor solução para os problemas do país.

Curiosamente ninguém mais falou no espaço público das recentes trapalhadas de Marcelo, como a sua infeliz intervenção no bazar diplomático junto do embaixador da Palestina, nem do caso das bebés gémeas luso-brasileiras em que parece ser suspeito de favorecimento.

Podem não gostar politicamente de António Costa, devido à geringonça ou por outras razões. Podem até nem gostar dele pessoalmente, tanto por uma questão de antipatia como por motivações racistas. Basta ouvir como muitos idiotas que pululam por aí lhe chamam “monhé” ou “chamuça”, dadas as origens indianas por parte do pai. Digo idiotas, porque nem sabem que o termo “monhé” vem da palavra suaíli “mwenye” que significa “senhor” ou “dono”, portanto, algo prestigiante.

Mas uma coisa tem que ser dita, o homem anda há largas décadas na vida política em altos cargos governativos nacionais (secretário de estado, ministro e primeiro-ministro durante oito anos), quer no governo local (vários mandatos como presidente da câmara da capital, que tem um orçamento maior do que vários ministérios), e sempre se manteve íntegro, nunca havendo a mais pequena suspeita contra ele.

Não gabo a função de governante e muito menos a de chefe do governo. Mesmo quando se gosta da vida política há que pagar um preço muito alto. Quase não há vida familiar, nem tempo e espaço para estar com amigos, nem feriados ou fins-de-semana livres, é-se escrutinado constantemente pela imprensa e sujeitos a uma vida pessoal devassada.

O Conselho de Estado não terá sido a favor da marcação de eleições antecipadas, pelo que a instabilidade que se avizinha, decorrente da decisão, terá que ser atribuída a Belém. Marcelo não quis ficar associado a um governo dirigido por Mário Centeno mas muito provavelmente vai ficar associado a um governo manipulado pelo líder do Chega. Não há meio de a classe política ter juízo e o país vai continuar a pagar por isso.

O MP já admitiu que se enganou na transcrição do material das escutas e trocou o nome do ministro da Economia pelo do primeiro-ministro, dada a semelhança. Então o MP deita abaixo um governo por engano, numa espécie de golpe de estado institucional, seja com ou sem intenção, e não há consequências? E quem investiga o MP?

MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Roma nunca muda?

+ O homem que pôs milhões de jovens a mexer

+Deus no cérebro?

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

QOSHE - Marcelo “prefere” um Ventura a um Centeno - José Brissos-Lino
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Marcelo “prefere” um Ventura a um Centeno

8 46
15.11.2023

Nos próximos tempos vamos assistir a uma peça de teatro já vista e revista. O Ministério Público vai desprezar olimpicamente o segredo de justiça e utilizar certa imprensa para ir plantando fugas a conta-gotas, no sentido de criar na opinião pública o libelo da culpabilidade do primeiro-ministro demissionário.

O MP é habitualmente o primeiro a infringir a lei e a constituição da república que garantem a presunção de inocência a qualquer cidadão indiciado, suspeito, arguido ou mesmo acusado de algum crime até ao devido julgamento. Nos casos das figuras públicas ainda mais, em nome do interesse mediático e sobretudo de um certo voyeurismo doentio e persistente da população, que inunda a imprensa tabloide e as redes sociais.

No caso presente, e uma vez que o MP estará em maus lençóis se acaso o inquérito da PGR contra António Costa não der em nada, resta-lhe agora levar ao limite as fugas cirúrgicas de informação, como é seu timbre. Só que desta vez não vão poder sacudir as culpas para o sistema judicial porque não se está a ver o Supremo Tribunal admitir fugas de informação.

Até lá, o MP vai tentar cozer António Costa em lume brando no tribunal da opinião pública. Resta saber se a forma........

© Visão


Get it on Google Play