Segundo as estatísticas verificou-se uma espécie de onda evangélica nos Estados Unidos entre 1983 e 2000. Jimmy Carter, um democrata do Sul, ascendeu à Casa Branca em 1976 e não teve pruridos em falar abertamente da sua fé, de tal modo que a revista Newsweek apelidou esse ano como “O Ano do Evangélico”. Todavia só sete anos mais tarde se deu o boom, quando na década seguinte a percentagem de evangélicos no país cresceu significativamente, até três em cada dez adultos americanos se identificarem com essa fé.

Foi o período em que surgiram em força as megaigrejas, a música praise ganhou notoriedade e personalidades do meio cristão surgiam frequentemente na televisão a falar de teologia mas também de questões políticas.

Nessa época também se aprofundou uma tendência de intervenção política neoconservadora de afirmação do homem branco e protestante, reivindicando para si uma superioridade moral questionável, quando já se adivinhava uma América emergente com características cada vez mais multirraciais e multirreligiosas.

Todavia, desde a viragem do milénio que a percentagem de evangélicos americanos desceu para nível idêntico ao de 1983 e se manteve mais ou menos na mesma até agora, com a agravante de uma tendência que já vinha do início dos anos noventa, quando as gerações mais jovens – especialmente entre os 18 e os 35 anos – começaram a desinteressar-se da religião.

Com efeito, parece terem-se desencadeado dois movimentos aparentemente contraditórios na década de noventa. À medida que o número de fiéis crescia os jovens começaram a afastar-se da fé na última década do milénio. A partir de 1991 os inquiridos dessa faixa etária que se declaravam cristãos desceu fortemente de 87 para 64 por cento. Por outro lado, os sem filiação religiosa passaram de 8 para 30 por cento.

O escritor cristão Philip Yancy recorre ao investigador e professor de Ciência Política Ryan P. Burge para ensaiar explicações possíveis para este fenómeno, o qual publicou uma obra sobre a matéria (“The Nones: Where They Came From, Who They Are, and Where They Are Going, Fortress Press, 2023).

A extrema polarização política, em especial nas questões da chamada “guerra cultural”, o fim da guerra fria, as migrações e o contacto com outras culturas e religiões, além da internet são aduzidas por Burge para justificar as mudanças no panorama religioso americano.

Por outro lado desde 1975 que as igrejas protestantes tradicionais conheceram um declínio dramático. Sucedeu com a Igreja Metodista Unida, a Presbiteriana, a Episcopal, a Baptista Americana, a Igreja Unida de Cristo e algumas denominações luteranas. Nos anos cinquenta mais de metade dos cidadãos americanos eram fiéis destas igrejas que agora não representam mais de dez por cento da população.

O grosso dos fiéis ter-se-á encaminhado para igrejas independentes não filiadas a uma grande denominação. O facto de os pastores protestantes serem teologicamente mais moderados do que os evangélicos provavelmente terá estimulado os fiéis que abandonaram a procurar outro ambiente, mais condizente com a proclamação da tal pretensa superioridade moral estribada na polarização política, assim como uma liturgia mais viva e menos estruturada.

A verdade é que nem Burge se arrisca a prever o futuro nem ninguém sabe o que irá acontecer. Nem com os sem filiação religiosa, nem com os mais jovens que por agora se afastaram das igrejas, nem com as antigas igrejas protestantes por agora em declínio, nem com os evangélicos em geral.

Resta saber que razões levaram os jovens a afastar-se das igrejas. Não é de excluir que o crescente envolvimento dos líderes religiosos na política, o conservadorismo, o desprezo pelas minorias, a ignorância pelas grandes questões com que a humanidade se confronta hoje, como as alterações climáticas, a intolerância crescente, o negacionismo, o espírito bélico, e o apoio religioso a posições de extrema-direita estejam na base da tendência. O resultado é que tanto no meio protestante e evangélico como no católico a média de idades dos fiéis dos EUA está bem acima dos 50 anos.

Entretanto Donald Trump ensaia um regresso à Casa Branca no próximo ano, apesar de todos os crimes de que é acusado, e os cientistas políticos voltam a falar do bloco eleitoral dos evangélicos que há anos o ajudaram a eleger. Vivemos num mundo realmente estranho.

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O declínio da religião americana

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22.11.2023

Segundo as estatísticas verificou-se uma espécie de onda evangélica nos Estados Unidos entre 1983 e 2000. Jimmy Carter, um democrata do Sul, ascendeu à Casa Branca em 1976 e não teve pruridos em falar abertamente da sua fé, de tal modo que a revista Newsweek apelidou esse ano como “O Ano do Evangélico”. Todavia só sete anos mais tarde se deu o boom, quando na década seguinte a percentagem de evangélicos no país cresceu significativamente, até três em cada dez adultos americanos se identificarem com essa fé.

Foi o período em que surgiram em força as megaigrejas, a música praise ganhou notoriedade e personalidades do meio cristão surgiam frequentemente na televisão a falar de teologia mas também de questões políticas.

Nessa época também se aprofundou uma tendência de intervenção política neoconservadora de afirmação do homem branco e protestante, reivindicando para si uma superioridade moral questionável, quando já se adivinhava uma América emergente com características cada vez mais multirraciais e multirreligiosas.

Todavia, desde a viragem do milénio que a percentagem de evangélicos americanos desceu para nível idêntico ao de 1983 e se manteve mais ou........

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