Os estudos mostram que existe um crescendo de depressão, ansiedade, stresse e burnout entre trabalhadores e quadros nas empresas do País. De tal modo que o Livro Verde do Futuro da Segurança e Saúde no Trabalho a entregar ao Governo por estes dias, apresenta propostas para promover a saúde mental nas empresas.

Uma das recomendações que o estudo contempla é que o tecido empresarial passe a incluir psicólogos nas equipas de saúde ocupacional, além do médico e do enfermeiro. Outra é investir na sensibilização dos trabalhadores e sobretudo na formação das lideranças de modo a saberem identificar os primeiros sinais de sintomas de esgotamento.

Mas este não é um problema especificamente português. Especialistas internacionais têm vindo mesmo a sugerir a inclusão de patologias da saúde mental na lista das doenças profissionais. Alguns países definiram recentemente o burnout, a tentativa de suicídio e a dependência de drogas como patologias que podem resultar do ambiente profissional. A Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (EU-OSHA), estima que morrem 2,4 milhões de pessoas em todo o mundo devido às doenças profissionais, e dentre eles, 200 mil só na Europa, além de provocarem elevados níveis de absentismo e incapacidade entre os trabalhadores.

Mas além de serem necessários psicólogos nas empresas, como nas escolas, estamos em plena ascensão do coaching, que pode ser desportivo, empresarial, psicológico ou com muitas outras aplicações. Como se não bastasse parece que agora também são necessários gurus, tanto a nível individual como nas empresas. A pergunta que se impõe é se estamos perante uma infantilização, uma complexificação social, ou ambas.

Os alunos precisam de psicólogos nas escolas porquê? Porque muitas famílias são desestruturadas e entendem que a escola é que deve educar e cuidar dos seus filhos, quando isso não compete a mais ninguém a não ser ao núcleo familiar. O que a escola faz é dar instrução, sensibilizar e formar para as grandes questões da cidadania, na preparação para a vida colectiva. De resto Hannah Arendt defendia já em 1957 que “A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é e não instruí-las na arte de viver” (A Crise na Educação). Portanto, terá sido um profundo défice parental que nos trouxe até este ponto.

No mundo do trabalho sucede coisa semelhante, ou devido à falta de liderança eficaz de algumas chefias, ou pela falta de ética profissional de alguns trabalhadores, mas sobretudo pelo sistema desumano que prevalece no mundo do trabalho, onde a competição se tornou selvagem. Há um século Max Weber já alertava: “A disciplina militar é o modelo ideal da fábrica no capitalismo moderno” (Economia e Sociedade, 1922).

Parece que que agora não há aluno, empresário, quadro ou trabalhador que não necessite de um guru, um treinador (coach) ou um psicólogo sempre à mão. Como se não tivessem em si mesmos recursos internos para fazer face às dificuldades naturais da vida nos seus diversos contextos. Mas será que todos estes que são adultos necessitam mesmo de papás?

O problema de fundo parece ser uma falta de estrutura pessoal, de flexibilidade, de resiliência. E sobretudo a falta de compreensão de que o mundo não é o que nós gostaríamos que fosse, e que temos de aprender a nos adaptar para conseguir viver em sociedade sem perder o necessário equilíbrio e a harmonia interna. Mas também na salvaguarda das inevitáveis conexões com os outros, de preferência com carácter satisfatório, tal como exige a vida gregária.

Nunca como antes as pessoas foram tão individualistas, capitães da sua própria alma, numa afirmação pessoal que faz lembrar uma espécie de adolescência tardia, mas depois não sabem como lidar com a adversidade, as pressões e as crises existenciais. Não querem dar espaço a Deus, nem honrar os pais, mas depois vão em busca de alguém estranho que os treine para a vida. Mas a História demonstra que os rasputines desta vida raramente dão resultado e comportam diversos perigos.

Se é certo que lidamos com uma tendência geral para a imaturidade, também nos deparamos com uma profunda complexificação social, talvez nunca antes vistas.

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Precisamos de papás?

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11.01.2024

Os estudos mostram que existe um crescendo de depressão, ansiedade, stresse e burnout entre trabalhadores e quadros nas empresas do País. De tal modo que o Livro Verde do Futuro da Segurança e Saúde no Trabalho a entregar ao Governo por estes dias, apresenta propostas para promover a saúde mental nas empresas.

Uma das recomendações que o estudo contempla é que o tecido empresarial passe a incluir psicólogos nas equipas de saúde ocupacional, além do médico e do enfermeiro. Outra é investir na sensibilização dos trabalhadores e sobretudo na formação das lideranças de modo a saberem identificar os primeiros sinais de sintomas de esgotamento.

Mas este não é um problema especificamente português. Especialistas internacionais têm vindo mesmo a sugerir a inclusão de patologias da saúde mental na lista das doenças profissionais. Alguns países definiram recentemente o burnout, a tentativa de suicídio e a dependência de drogas como patologias que podem resultar do ambiente profissional. A Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (EU-OSHA), estima que morrem 2,4 milhões de pessoas em todo o mundo devido às........

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