A iniciativa sinodal do papa Francisco ainda vai no adro, mas para já não parece que existam sinais muito encorajadores. O jornalista António Marujo, no Sete Margens, destaca três aspectos como factores de esperança.

Por um lado a “proposta de convocar um sínodo ecuménico sobre a missão comum no mundo contemporâneo” apontada no documento de síntese da primeira sessão da XVI assembleia do Sínodo dos Bispos, recentemente concluída em Roma. Mas também a possibilidade de maior envolvimento dos leigos, incluindo na pregação e mais espaço às mulheres.

Recorde-se que dos 363 membros com direito a voto neste sínodo menos de 15 % são mulheres e 75% são bispos, pelo que dificilmente se poderiam prever grandes mudanças, até porque o poder religioso não cede fácil nem voluntariamente os seus mecanismo de controlo, à semelhança de qualquer poder de outra natureza. Aprender a “caminhar juntos” (syn-hodos), aliás, é um exercício difícil e penoso para muitos dos que viveram toda a vida numa cultura clerical e no masculino. Como alguém dizia: “Como pode o clero abraçar uma identidade que não é clerical? Este é um grande desafio para uma Igreja renovada.”

O que Francisco propõe é uma mudança de paradigma no poder da igreja católica, o que é sempre mais difícil do que uma mudança pontual da liturgia ou da praxis em geral. Face ao axioma “Roma nunca muda!” orgulhosamente declarado por alguns sectores católicos, ainda mais complicado se afigura qualquer mudança de fundo na prática romana.

Pode o papa intervir na assembleia sinodal para criticar o clericalismo e o carreirismo de membros do clero: “O povo de Deus, o santo povo fiel de Deus, segue em frente com paciência e humildade, suportando o desprezo, maus-tratos, marginalizações por parte do clericalismo institucionalizado. Com quanta naturalidade falamos de príncipes da Igreja ou de promoções episcopais, como subidas na carreira”.

Pode referir ser doloroso ver, nalguns cartórios notariais, como nos diz o SJ, “a ‘lista de preços’ dos serviços sacramentais, como num supermercado. A Igreja ou é povo fiel de Deus, em caminho, santo e pecador, ou acaba por tornar-se numa empresa de serviços diversos”.

Pode opor-se a que “a Igreja seja um ‘supermercado da salvação’, em que os sacerdotes funcionam como ‘empregados de uma multinacional”. Pode criticar abertamente a prática de jovens sacerdotes nas alfaiatarias eclesiásticas de Roma “experimentando batinas e chapéus, ou albas e roquetes com rendas”.

Ou condenar as atitudes de machismo dos clérigos que “ultrapassam o seu serviço e maltratam o povo de Deus” e que “desfiguram o rosto da Igreja com atitudes machistas e ditatoriais”.

Pode ainda colocar em destaque a relevância das mulheres na transmissão da fé, geralmente no recato do meio familiar. “São as mulheres quem sabe esperar, sabem descobrir os recursos da Igreja, do povo fiel, arriscam para lá dos limites, talvez com medo mas corajosas, e no alvorecer de um dia que começa, aproximam-se de um sepulcro com a intuição (ainda não esperança) de que possa haver algo de vida”.

A verdade é que do falado concílio ecuménico, a realizar-se, pode não sair nada mais do que uma tentativa de a postura clerical vir a “anexar” as outras confissões cristãs, prendendo-as aos métodos e conceitos de Roma.

Por outro lado, o maior envolvimento dos leigos, incluindo na pregação, pode responder à crise de vocações sacerdotais, assim como o eventual “regresso” ao altar dos padres casados.

Já quanto ao espaço a conferir às mulheres será pouco mais do que simbólico, apesar dos seus esforços recorrentes com vista a serem reconhecidas, inclusivamente no início dos trabalhos do sínodo.

O problema é que não se reforma uma instituição com dois mil anos apenas com boas intenções, com os esforços de quem se encontra no topo da pirâmide ou com o mais elementar bom senso. Ainda mais numa instituição religiosa, onde as mudanças são muito mais lentas e os espíritos susceptíveis.

Ao contrário do velho axioma, talvez Roma um dia mude – até porque, como escreveu Camões, “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades” – mas esse dia ainda não será amanhã.

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Roma nunca muda?

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09.11.2023

A iniciativa sinodal do papa Francisco ainda vai no adro, mas para já não parece que existam sinais muito encorajadores. O jornalista António Marujo, no Sete Margens, destaca três aspectos como factores de esperança.

Por um lado a “proposta de convocar um sínodo ecuménico sobre a missão comum no mundo contemporâneo” apontada no documento de síntese da primeira sessão da XVI assembleia do Sínodo dos Bispos, recentemente concluída em Roma. Mas também a possibilidade de maior envolvimento dos leigos, incluindo na pregação e mais espaço às mulheres.

Recorde-se que dos 363 membros com direito a voto neste sínodo menos de 15 % são mulheres e 75% são bispos, pelo que dificilmente se poderiam prever grandes mudanças, até porque o poder religioso não cede fácil nem voluntariamente os seus mecanismo de controlo, à semelhança de qualquer poder de outra natureza. Aprender a “caminhar juntos” (syn-hodos), aliás, é um exercício difícil e penoso para muitos dos que viveram toda a vida numa cultura clerical e no masculino. Como alguém dizia: “Como pode o clero abraçar uma identidade que não é clerical? Este é um grande desafio para........

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