Uma das mais curiosas é a chamada Teologia Quântica (TQ), inspirada pela física quântica e nos avanços que conheceu no século XX, no mundo subatómico, onde se concluiu que as partículas se comportam com grande imprevisibilidade, quase como se dispusessem de vontade própria na escolha de novos percursos. O teólogo R. Gondim afirma: “De acordo com a Física Quântica e Teoria do Caos, o universo é exponencialmente mais complexo do que os físicos newtonianos supunham e muito mais livre do que o determinismo da modernidade quis provar.”

Apesar de muitos cientistas e teólogos terem dúvidas sobre a autenticidade da TQ, os que se interessam por essa abordagem teológica, concluem que ela responderá a uma necessidade de conjugar avanços científicos mais recentes como a existência duma realidade transcendente, a natureza da consciência humana e mesmo sobre a eterna questão do significado da vida. Pelo menos a TQ parece oferecer uma tentativa de o conseguir.

A ideia central da TQ é ligar o campo religioso e espiritual aos princípios da física quântica, em especial no tocante à exploração de possíveis conexões entre o entendimento da complexidade do universo, do ponto de vista subatómico e as grandes questões da consciência, da espiritualidade e sobretudo da existência humana.

Alguns dos exemplos mais paradigmáticos que podem caracterizar esta abordagem é a compreensão da realidade, quando se pensa no confronto com os conceitos de não-localidade, em que as partículas podem influenciar-se instantaneamente umas às outras, o que remete para a ideia de uma ligação estrutural no universo, sugerindo uma ideia espiritual de interdependência.

Mas também a ideia da dualidade onda-partícula, que remete para a possibilidade de as partículas poderem apresentar um comportamento tanto de partículas como de ondas. Esta hipótese, por sua vez, suscita novas questões sobre a relevância da observação da realidade na criação da mesma. Daí o inevitável confronto com a ideia de que a consciência pode ter um papel incontornável na natureza e na manifestação da realidade, e desafiar conceitos teológicos de criação.

Depois há a superposição, que defende que as partículas podem existir em estados múltiplos em simultâneo, o que nos fala da coexistência de realidades potenciais diferentes. Do ponto de vista teológico pode fazer a ponte com a ideia de que Deus sustenta um universo predominantemente diverso.

Finalmente vem o emaranhamento quântico, que aponta para o facto de as partículas entrelaçadas se correlacionarem de forma instantânea, alheias à distância física que as separa. Assim, parece existir uma ligação seminal que vai para lá de todas as barreiras do espaço e do tempo, o que remete para o paralelo com a noção de um Deus que se coloca acima das noções humanas de tempo e espaço.

Como se vê, a TQ coloca desafios reflexivos profundos tanto do ponto de vista filosófico como teológico. E neste caso ajuda a compreender melhor o texto de S. Paulo aos Colossenses: “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (1:16,17). Ou aos Efésios, quando se refere a Cristo: “(…) a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (1:23). Ou ainda na Carta aos Gálatas: “(…) porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (3:28).

Nesta matéria como em tantas outras, surgem sempre duas posturas básicas. Uma delas, de carácter ateu, pretende proclamar a autossuficiência do cosmos, dispensando a necessidade dum Criador, mas nunca o faz com base científica. Como diz o investigador Daniel D’Agnoluzzo Zatti: “O postulado final sobre a não necessidade de Deus é sempre uma questão de fé. Fé no que se quer provar, e não um conhecimento a partir de uma descoberta.” Por outro lado surge a postura animada pelo fundamentalismo religioso, frequentemente utilizando de forma inadequada os conceitos da Física mas também leituras literalistas dos textos bíblicos.

E Zatti conclui: “Ainda há muitos mistérios na Teoria Quântica, e de mistério é que vive a Teologia. Dessa complexa, mas possível e existente relação, espera-se tocar mais lucidamente a realidade, mesmo que sem deixar de lado o necessário “não saber”, que abre espaço para a fé e forja a esperança.”

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Teologia quântica: isto está tudo ligado

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04.01.2024

Uma das mais curiosas é a chamada Teologia Quântica (TQ), inspirada pela física quântica e nos avanços que conheceu no século XX, no mundo subatómico, onde se concluiu que as partículas se comportam com grande imprevisibilidade, quase como se dispusessem de vontade própria na escolha de novos percursos. O teólogo R. Gondim afirma: “De acordo com a Física Quântica e Teoria do Caos, o universo é exponencialmente mais complexo do que os físicos newtonianos supunham e muito mais livre do que o determinismo da modernidade quis provar.”

Apesar de muitos cientistas e teólogos terem dúvidas sobre a autenticidade da TQ, os que se interessam por essa abordagem teológica, concluem que ela responderá a uma necessidade de conjugar avanços científicos mais recentes como a existência duma realidade transcendente, a natureza da consciência humana e mesmo sobre a eterna questão do significado da vida. Pelo menos a TQ parece oferecer uma tentativa de o conseguir.

A ideia central da TQ é ligar o campo religioso e espiritual aos princípios da física quântica, em especial no tocante à exploração de possíveis conexões entre o entendimento da complexidade do universo, do ponto de vista subatómico........

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