As estatísticas parecem longínquas, mas a realidade é que não são. Apesar de mais de 70% da superfície da Terra ser coberta por água, 97% desta encontra-se nos mares e oceanos, sendo salgada. Dos 3% de água doce disponível, menos de 1% é própria para consumo e, mesmo essa, está a ser altamente poluída e contaminada pela atividade humana (WWF). Estes dados demonstram o porquê de, até 2040, 44 países, incluindo Portugal, poderem enfrentar níveis “elevados” e “extremos” de stress hídrico, não dispondo de água suficiente para sustentar as suas populações no dia a dia (Economist, 2023).

A agricultura e as indústrias transformadoras de matéria-prima são responsáveis pela utilização de mais de 65% da água disponível no mundo, restando uma percentagem a rondar os 10% para o uso diário por parte da população (Schroders, 2021). Para produzir bens de consumo, tão simples como um copo de café ou uma t-shirt, é estimado que se gaste, respetivamente, 130 e 2.500 litros de água. Contudo, o problema não se encontra no facto de que a maioria da população bebe café ou utiliza roupa, mas na falta de regulação e preocupação relativamente à água enquanto bem finito. Esta realidade deve-se em boa medida ao facto do preço da água não ser formulado tendo em conta o impacto ambiental do seu uso, o que faz com que este recurso seja utilizado quase gratuitamente e numa lógica infinita pelas indústrias. Exemplo disso é o caso da indústria das bebidas, que garante, muitas vezes, licenças de exploração de nascentes hídricas em troca das organizações instalarem as suas fábricas em determinados países e gerarem postos de trabalho, uma realidade que faz com que não estejam a pagar pela água utilizada.

A gestão responsável da água não é apenas uma questão de custos, mas um pilar fundamental dos ESGs (Ambiental, Social e Governança), que cada vez mais pressionam as empresas a equilibrar interesses financeiros com o impacto nas três áreas mencionadas.

Já existem empresas empenhadas em reduzir o seu consumo industrial de água potável, como a Nike, Adidas e Coca-Cola, que desenvolveram programas de inovação para conseguirem criar e investir em tecnologias que tragam mais eficiência ao seu processo de produção. No entanto, não escaparam a acusações de greenwashing por o valor que gastam em marketing e relações públicas para fazer vender os seus bens como sustentáveis ser muitas vezes superior ao alocado à implementação de inovação nesta vertente.

Atingir a sustentabilidade hídrica requer que as empresas adotem uma perspetiva que englobe toda a cadeia de valor, o que inclui avaliar os riscos hídricos em fornecedores e parceiros de negócios para garantir uma abordagem holística à gestão da água. Por outro lado, é preciso equilibrar necessidades concorrentes, colaborando com comunidades locais, ONGs e outras partes interessadas para encontrar soluções mutuamente benéficas.

Nesse sentido, atingir a eficiência hídrica, assim como uma boa gestão da qualidade da água, requer inovação colaborativa – encontrar soluções alinhadas entre parceiros que partilham objetivos e players mais pequenos como as startups. O potencial das novas tecnologias e métodos exploratórios podem ajudar a desbloquear as ferramentas que as corporate precisam para conseguir implementar projetos concretos nas suas estruturas de funcionamento, contribuindo para atingir a sustentabilidade hídrica. Empresas que priorizam a sustentabilidade da água estão melhor posicionadas para atender às expectativas crescentes dos investidores e consumidores conscientes, mas também para enfrentar cenários de escassez de água e alterações climáticas. Só através do esforço destes agentes para inovar na forma como trazem produtos a milhares de pessoas todos os dias, é que podemos garantir que a escassez de água não se vai agravar de maneira irreversível nos próximos anos. Esta é a verdadeira corrida contra o tempo, na tentativa de impedir que a água se torne o “próximo petróleo” – catapultando o seu valor e preço.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.


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Água, o novo petróleo: quando o valor ultrapassa o preço

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01.04.2024

As estatísticas parecem longínquas, mas a realidade é que não são. Apesar de mais de 70% da superfície da Terra ser coberta por água, 97% desta encontra-se nos mares e oceanos, sendo salgada. Dos 3% de água doce disponível, menos de 1% é própria para consumo e, mesmo essa, está a ser altamente poluída e contaminada pela atividade humana (WWF). Estes dados demonstram o porquê de, até 2040, 44 países, incluindo Portugal, poderem enfrentar níveis “elevados” e “extremos” de stress hídrico, não dispondo de água suficiente para sustentar as suas populações no dia a dia (Economist, 2023).

A agricultura e as indústrias transformadoras de matéria-prima são responsáveis pela utilização de mais de 65% da água disponível no mundo, restando uma percentagem a rondar os 10% para o uso diário por parte da população (Schroders, 2021). Para produzir bens de consumo, tão simples como um copo de café ou uma t-shirt, é estimado que se gaste, respetivamente, 130 e 2.500 litros de água. Contudo, o problema não se........

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