Num dado período da nossa História recente, era comum ouvir-se que em alguns setores tínhamos saltado etapas e passado diretamente para as mais modernas tecnologias. Os dois exemplos mais frequentemente dados eram os telemóveis e o sistema bancário. A razão não era a melhor, tinha que ver com o nosso atraso inicial, ou seja: tínhamos vivido demasiado tempo na pré-história e agora já estávamos na idade contemporânea. É no que penso quando ouço discursos inflamados proferidos pelas mais populares figuras públicas portuguesas, da área política ou não, de vários quadrantes, preocupadíssimas com a liberdade de expressão, com o horrível wokismo, o #MeToo ou com os terríveis ataques à família. Não são, claro, os mesmos protagonistas a falar de todos estes temas, mas há algo que me faz metê-los no mesmo saco: de que raio estão eles a falar?

Lembro-me de cancelamentos. Desde o de Sousa Lara a José Saramago, ao Herman José ser censurado por duas vezes (uma delas com o alto patrocínio do atual Presidente da República), mas de cancelamentos por supostos atentados ao politicamente correto não conheço nenhum, muito menos recentes. E vivo no País em que se usam, de forma constante e pública, palavras depreciativas relacionadas com a orientação sexual, a cor ou a origem étnica; em que, sob a aparência de piada inofensiva, se podem dizer as maiores barbaridades e cometer os maiores desrespeitos; em que se pode ir a uma televisão atacar direitos fundamentais como se fosse normal. É exatamente o mesmo País onde, está visto, nunca as mulheres foram vítimas de assédio sexual, nunca foram obrigadas a abdicar da sua dignidade para sobreviver, nunca tiveram problemas de nenhuma ordem para andar livremente na rua sem serem perturbadas.

QOSHE - De que falam estas pessoas? - Pedro Marques Lopes
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De que falam estas pessoas?

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18.04.2024

Num dado período da nossa História recente, era comum ouvir-se que em alguns setores tínhamos saltado etapas e passado diretamente para as mais modernas tecnologias. Os dois exemplos mais frequentemente dados eram os telemóveis e o sistema bancário. A razão não era a melhor, tinha que ver com o nosso atraso inicial, ou seja: tínhamos vivido demasiado tempo na pré-história e agora já estávamos na idade contemporânea. É no que penso........

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