A minha primeira reação quando ouvi o pedido de demissão do primeiro-ministro foi espanto. Então um governante com um apoio maioritário na Assembleia da República foge às suas responsabilidades por causa de uma nota que nem uma suspeita indicia, mas apenas uma possibilidade de haver indícios de suspeita? Porém, o mundo não é exatamente como gostaríamos que fosse. De facto, seria impossível para o líder de um Governo exercer as suas funções tendo sobre a sua cabeça um indício de uma suspeita.

Podia-se pensar, no entanto, que António Costa, mais do que a sua própria posição, estava também a tomar em conta suspeitas sobre governantes e ex-governantes e mesmo a constituição de arguidos do seu chefe de gabinete e de um ministro em funções.

Comecemos por estas suspeitas. Seria bom para a saúde e credibilidade das nossas instituições que o que gera buscas ao gabinete do primeiro-ministro e a casas de ministros, bem como a constituição de arguidos de várias pessoas, fosse muito mais do que o que a imprensa hoje divulgou. Muitíssimo mais. Jantares? Contrapartidas para camâras por causa de investimentos na zona? Reuniões secretas? Motoristas a levar filhas à escola? Telefonemas a dizer que se tem de resolver problemas? Contratos para empresas a nomear?

O que até agora sabemos só mostra uma coisa: o MP não faz a mais pálida ideia de como funcionam empresas e instituições, não entende os processos de decisão, não sonha como as pessoas se relacionam e falam sobre os assuntos.

Não é de agora que isto me parece evidente, é recorrente. Tão recorrente como as enormes investigações com centenas de agentes que geram parangonas que resultam em nada. Os populistas agradecem.

No entanto, o cerne da crise é uma nota em que se expõe a possibilidade de alguém sugerir que um primeiro-ministro poderia fazer isto ou aquilo chega para derrubar um governo. Note-se, não há qualquer indício de o PM ter sequer sabido do telefonema, nem de ter recebido um camião de dinheiro para solucionar o problema em questão ou coisa parecida.

Antes de pensarmos na terrível possibilidade de um primeiro-ministro ser corrupto ou de o MP não o acusar ou ele ser ilibado em Tribunal, atentemos no seguinte: será legítimo emitir uma nota deste tipo sem haver uma acusação já devidamente estruturada? Se no caso de um cidadão sem responsabilidades políticas é atentatório aos seus direitos, liberdades e garantias anunciar uma investigação, só depois e por fim talvez acusar, não é isto mais ilegítimo quando automaticamente gera a demissão de um governante? Não tenho dúvidas da resposta.

Que tipo de equilíbrio de poderes entre o ramo executivo e judicial existe quando um indício de uma suspeita sem consubstanciação e sem 0de acusação formal leva ao derrube de um Governo?

E se essa acusação nunca chegar? “Olha pá, enganei-me”, dirá um magistrado numa escuta que nunca será feita. O efeito útil da nota do MP já ocorreu, mas quais serão as consequências para os seus autores de, pronto, se terem enganado? Nenhumas, para o país gigantescas. Será a prova provada de um autêntico golpe de estado institucional, uma enorme fissura no edifício democrático.

O 7 de Novembro pode ser uma data que marca uma época. Não porque caiu um governo, mas porque finalmente os cidadãos estão a perceber que algo de muito errado se passa na PGR. Que algo de muito perigoso para a democracia e para as instituições democráticas vem acontecendo no Ministério Público.

Uma nota final: ai do político que se alegre com o que está a acontecer. Será só o próximo na fila.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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O 7 de Novembro. Opinião de Pedro Marques Lopes

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08.11.2023

A minha primeira reação quando ouvi o pedido de demissão do primeiro-ministro foi espanto. Então um governante com um apoio maioritário na Assembleia da República foge às suas responsabilidades por causa de uma nota que nem uma suspeita indicia, mas apenas uma possibilidade de haver indícios de suspeita? Porém, o mundo não é exatamente como gostaríamos que fosse. De facto, seria impossível para o líder de um Governo exercer as suas funções tendo sobre a sua cabeça um indício de uma suspeita.

Podia-se pensar, no entanto, que António Costa, mais do que a sua própria posição, estava também a tomar em conta suspeitas sobre governantes e ex-governantes e mesmo a constituição de arguidos do seu chefe de gabinete e de um ministro em funções.

Comecemos por estas suspeitas. Seria bom para a saúde e credibilidade das nossas instituições que o que gera buscas ao gabinete do primeiro-ministro e a casas de ministros, bem........

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