Uma das maiores ameaças à democracia e ao desenvolvimento de um país é a quebra de confiança nas instituições. E essa ameaça será tanto maior quanto mais se banalizarem, no discurso público, as tentativas de destruição das reputações e da idoneidade dos agentes envolvidos, sempre acompanhadas dos habituais processos de intenção, em busca de interesses obscuros ou de relações suspeitas. Não está em causa o escrutínio que precisa de ser feito a qualquer instituição, em especial quando se trata de instrumentos de gestão pública. Mas não se pode permitir que, a qualquer pretexto e com a maior leviandade possível, se distribuam acusações e se levantem suspeitas sempre que o resultado de um estudo ou a divulgação de uma previsão estatística não corresponda ao que cada um desejava, por convicção ou em defesa dos interesses próprios.

Num País em que, frequentemente, tantos clamam por reformas estruturais e por visões de longo prazo, só pode causar, por isso, perplexidade a sequência de críticas e até de alguns impropérios dirigidos ao recente relatório preliminar apresentado pela Comissão Técnica Independente, que, durante cerca de um ano, andou a estudar a melhor localização para o futuro Aeroporto Internacional de Lisboa. Ainda para mais, quando se percebe que, durante algum tempo, andou a ser preparado terreno para se descredibilizar um relatório que, por aquilo que é conhecido, foi elaborado com uma metodologia científica à prova de bala, com recurso a vários estudos e a análises de especialistas, e seguindo um guião previamente estabelecido. Apesar disso, nas vésperas de o relatório ser conhecido, começaram a surgir as primeiras vozes a questionar a independência de alguns dos membros da comissão, nomeadamente até as posições anteriores que tinham assumido em relação a algumas localizações – como se fosse preferível ir buscar alguém a Marte, que nunca tivesse pensado antes no assunto, para poder deliberar sobre um tema que, há mais de meio século, tem sido objeto de discussão em Portugal.

Não tenho, como é óbvio, a mínima competência em matéria de aeroportos ou até em desenvolvimento territorial para poder manifestar uma opinião fundamentada sobre as localizações propostas pela Comissão Técnica Independente – nem eu nem 99,99% dos portugueses, sublinhe-se. Há algo, porém, que qualquer um tem de reconhecer: pela primeira vez, em muitos anos, foi produzido um estudo completo e abrangente sobre todas as localizações possíveis e que permite identificar as melhores soluções, pelos mais diversos parâmetros. Com aquele documento, cada futuro governante sabe exatamente o que pode esperar de cada solução e quais as responsabilidades e investimentos necessários a qualquer uma delas, e poderá perceber a distinção entre uma alternativa à Portela e a criação de um verdadeiro hub aeronáutico, que aproveite em pleno a localização geográfica de Portugal.

O documento tem uma abrangência de tal ordem que permite aferir tanto as consequências de uma opção de curto prazo como as inerentes a uma aposta estratégica e duradoura. Mais: de uma forma ou de outra, este relatório vai obrigar o País a pensar no futuro, num horizonte temporal que ultrapassa os habituais ciclos eleitorais, em que costumamos estar enredados e bloqueados. Só isso já deveria ser uma boa notícia. Infelizmente, continuamos a perder demasiado tempo em pormenores, como o problema de a comissão ser técnica ou independente. Percebe-se porquê: só estamos habituados a comissões políticas…

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Independência e visão estratégica

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14.12.2023

Uma das maiores ameaças à democracia e ao desenvolvimento de um país é a quebra de confiança nas instituições. E essa ameaça será tanto maior quanto mais se banalizarem, no discurso público, as tentativas de destruição das reputações e da idoneidade dos agentes envolvidos, sempre acompanhadas dos habituais processos de intenção, em busca de interesses obscuros ou de relações suspeitas. Não está em causa o escrutínio que precisa de ser feito a qualquer instituição, em especial quando se trata de instrumentos de gestão pública. Mas não se pode permitir que, a qualquer pretexto e com a maior leviandade possível, se distribuam acusações e se levantem suspeitas sempre que o resultado de um estudo ou a divulgação de uma previsão estatística não corresponda ao que cada um desejava, por convicção ou em defesa dos interesses próprios.

Num País em que, frequentemente, tantos clamam por reformas estruturais e por visões........

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