Num ano de eleições cruciais, é grande o risco de, no calor das campanhas e das discussões acesas entre candidatos, o debate acabar por ficar ostensivamente reduzido às questões de resposta imediatista, esquecendo os temas que podem ter maior relevância para o futuro. E o cenário será ainda pior se essa opção, como se espera, for tomada de forma voluntária pelas direções de campanha, apenas interessadas em recolher o maior número de votos, mesmo que precisem de recorrer à manipulação dos factos, à repetição de mentiras e, no fundo, a explorar unicamente os sentimentos mais básicos dos eleitores em detrimento do apelo à razão e à escolha consciente.

A verdade é que uma das razões para a crise da democracia é a insistência nas opções de curto prazo. Isso tem sido particularmente evidente nas últimas campanhas eleitorais, em que se digladiam números sobre a dimensão de cada problema, mas não se consegue ir além das promessas imediatas e, tantas vezes, irrealistas. Ainda por cima, na maior parte dos casos, as propostas que mais se discutem são aquelas que, no máximo, poderão ser concretizadas no espaço de uma legislatura – e, mesmo assim, com grande bondade e uma muito reforçada dose de otimismo.

É evidente que a solução de curto prazo é essencial na luta pelo voto. Mas persistir nessa ilusão, em que as pessoas vão deixando de acreditar, acabará sempre por minar a confiança nos políticos, nas instituições e até na própria ideia de democracia.

A governação de um país não pode ficar entregue a um contrato a prazo com o máximo de quatro anos. Embora os governos sejam precários, por natureza e rigor democrático, o contrato dos cidadãos com a sua administração deve ser sem termo certo. Num mundo em busca de novos equilíbrios de poder, com movimentações inesperadas a repetirem-se em grande sucessão, é preciso que cada partido, cada candidato, se comprometa também com a ideia que preconiza para o futuro do país. Em todas as dimensões e a longo prazo.

O País não pode estar, constantemente, dependente de propostas e de soluções que se esgotam e se consomem no espaço de uma legislatura. São necessários projetos inspiradores, de longa duração, capazes de mobilizar uma geração e serem deixados como legado para as seguintes.

Foi precisamente isso que o País conseguiu fazer em 1977, por impulso e determinação de Mário Soares, quando pediu formalmente a adesão à então Comunidade Económica Europeia – um projeto estrutural que não se esgotava no espaço de uma legislatura, mas que foi o mais transformador dos 50 anos de democracia. E que demorou oito anos – e vários governos – para se concretizar, até ao momento da assinatura, na cerimónia de junho de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos.

É por isso que as discussões sobre os projetos estruturais para o País não podem ser deixadas ao livre-arbítrio do curto prazo e muito menos às jogadas eleitoralistas, ao ritmo do que vão ditando os altos e baixos nas sondagens. Tanto a escolha da localização do novo Aeroporto de Lisboa como a mais do que urgente construção da linha férrea de alta velocidade, que proporcione mais uma ligação ao resto da Europa, são projetos para décadas. E que precisam de ser enfrentados com ambição e, acima de tudo, com um planeamento transparente, responsável e que defina, por si só, um rumo para o desenvolvimento económico e social. Se esses dois projetos forem vistos apenas na ótica do interesse de curto prazo ‒ por razões políticas, económicas ou até de interesse pessoal –, então estarão condenados ao fracasso ou ao fado do costume: voltarem a ser adiados.

Num ciclo eleitoral que se anuncia decisivo, convém também olhar para as legislativas e europeias como duas eleições que, embora para órgãos diferentes, não são assim tão diferentes quanto se poderia pensar. Isto, porque o destino de Portugal está hoje muito dependente das políticas e das dinâmicas que forem adotadas pelo conjunto dos 27 países que compõem a União Europeia. Por isso, saber qual é o projeto europeu de cada partido pode ser hoje mais esclarecedor do que as promessas gastas que apresentam para os problemas da Saúde, da Educação ou da Habitação. Afinal, a defesa da democracia e da liberdade são os melhores projetos de longo prazo que devemos impulsionar.

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O futuro não pode esperar. Editorial de Rui Tavares Guedes

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03.01.2024

Num ano de eleições cruciais, é grande o risco de, no calor das campanhas e das discussões acesas entre candidatos, o debate acabar por ficar ostensivamente reduzido às questões de resposta imediatista, esquecendo os temas que podem ter maior relevância para o futuro. E o cenário será ainda pior se essa opção, como se espera, for tomada de forma voluntária pelas direções de campanha, apenas interessadas em recolher o maior número de votos, mesmo que precisem de recorrer à manipulação dos factos, à repetição de mentiras e, no fundo, a explorar unicamente os sentimentos mais básicos dos eleitores em detrimento do apelo à razão e à escolha consciente.

A verdade é que uma das razões para a crise da democracia é a insistência nas opções de curto prazo. Isso tem sido particularmente evidente nas últimas campanhas eleitorais, em que se digladiam números sobre a dimensão de cada problema, mas não se consegue ir além das promessas imediatas e, tantas vezes, irrealistas. Ainda por cima, na maior parte dos casos, as propostas que mais se discutem são aquelas que, no máximo, poderão ser concretizadas no espaço de uma........

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