A confiança tornou-se um bem escasso, mas que não é transacionável. Não se compra nem se vende, precisa antes de ser alicerçada em pontos comuns e construída numa base de respeito mútuo. O problema é que quando se quebra… raramente pode ser reconstruída.

É inegável que o mundo vive hoje uma crise de confiança. Até o recente Fórum Económico Mundial em Davos, numa época de poderes fragmentados e de debilidade das instituições, foi dedicado precisamente ao tema da “reconstrução da confiança” – uma tarefa ciclópica e, por isso, impossível de ser resolvida através da troca de impressões entre as elites empresariais e políticas que se reúnem anualmente na estância alpina.

Todos os estudos e indicadores, na maioria dos países, sublinham a quebra dos índices de confiança dos cidadãos com os políticos e as mais diversas instituições. As guerras, a crise climática, a perda de credibilidade de muitas lideranças, as dúvidas criadas pelos avanços tecnológicos ao nível da Inteligência Artificial e o crescente sentimento de injustiça social – que perpassa em todas as latitudes – são alguns dos responsáveis por esta nova realidade, que está a provocar um profundo abalo nos regimes democráticos. Mas não são as únicas causas.

Há quase meio século, já o sociólogo alemão Niklas Luhmann tinha alertado para o que acontece a uma sociedade quando desaparecem os laços de confiança, fundamentais para assegurar a previsibilidade das relações sociais e da contenção de riscos: cai num cenário de “caos e medo paralisante”. Precisamente, aquilo que mais interessa aos chamados agentes do caos: os populistas que se aproveitam e promovem a crise de confiança para apregoarem as suas soluções miraculosas, baseadas na repetição de mentiras e de um apelo constante ao confronto com os “outros”. Tudo isto potenciado pelos algoritmos das redes sociais, que privilegiam sempre o combate em vez da moderação, o individualismo em oposição à harmonia social e, no fim desse processo, o nacionalismo exacerbado em detrimento do multiculturalismo humanista.

O jornalismo e as empresas de comunicação social são hoje uma das instituições mais afetadas por este défice de confiança, conforme foi sublinhado no recente relatório do Reuters Institute. Há várias razões para esse fenómeno, muitas já descritas acima e outras que são da exclusiva responsabilidade dos próprios jornalistas, da evolução da “bolha mediática” e do tipo de cobertura noticiosa que tomou conta de muitas organizações. Mas se são aceitáveis opiniões divergentes em relação à culpa, tem de existir unanimidade acerca da consequência: uma sociedade sem confiança no jornalismo e desconfiada das notícias – obtidas de forma rigorosa, verificada e independente – é, necessariamente, uma sociedade mais pobre, menos informada, mais manipulável e menos democrática.

Nestes tempos conturbados e de incertezas múltiplas, a primeira tarefa de qualquer organização jornalística tem de ser a de restabelecer e de reforçar os laços de confiança com os seus leitores, ouvintes e espectadores. E é essa a minha primeira missão ao assumir, a partir de agora, a direção da VISÃO e ter a honra de ser o quinto diretor (apenas…) nos 30 anos de história da revista de informação geral mais lida do País. Nos meus quase 25 anos nesta redação, trabalhei de perto com todos os meus antecessores. Fui editor-executivo com o inesquecível Carlos Cáceres Monteiro, cuja inquietação permanente e faro jornalístico serão sempre um exemplo; fui diretor-adjunto com o saudoso Pedro Camacho – com quem aprendi a importância de gerir conflitos sem nunca perder o sentido de conciliação – e com o João Garcia, de quem guardo as convicções firmes em qualquer discussão. Nos últimos e intensos sete anos, estive como diretor-executivo ao lado da energia criativa e inesgotável da Mafalda Anjos, num período conturbado, com crises inesperadas, mas que foi fundamental para, graças a ela, reafirmar o papel da VISÃO, no meio de tantas tempestades, em todos os meios e plataformas.

Com esta memória e “bagagem”, a missão é clara: manter e reforçar a confiança na VISÃO, como marca de referência, reconhecida pela credibilidade, independência, dinamismo, profundidade e diversidade. Não estou sozinho, mas antes muito bem acompanhado. Em primeiro lugar, pelo conjunto de subdiretores que aceitaram estar comigo – Filipe Luís, Sara Belo Luís, Alexandra Correia e Margarida Vaqueiro Lopes – e depois por uma redação composta por um conjunto de jornalistas experientes, competentes, criativos, muito profissionais e com sentido de missão que merece ser assinalado.

A VISÃO ‒ a que, em 1993, quando surgiu nas bancas como sucedânea do semanário O Jornal, muitos vaticinaram uma vida curta ‒ é hoje muito mais do que uma simples revista semanal. É também a VISÃO Júnior, a VISÃO História, a VISÃO Saúde, a VISÃO Biografia, além de muitas revistas especiais como a VISÃO Saber e a VISÃO Açores, bem como um site em atualização permanente, uma ligação direta aos seus milhares de assinantes, com newsletters e podcasts. E, na sua redação, são ainda produzidos títulos de referência como a Exame e a Courrier Internacional. A VISÃO é, indiscutivelmente, uma marca de informação de confiança. E assim vai continuar a ser.

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O insubstituível valor da confiança

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24.01.2024

A confiança tornou-se um bem escasso, mas que não é transacionável. Não se compra nem se vende, precisa antes de ser alicerçada em pontos comuns e construída numa base de respeito mútuo. O problema é que quando se quebra… raramente pode ser reconstruída.

É inegável que o mundo vive hoje uma crise de confiança. Até o recente Fórum Económico Mundial em Davos, numa época de poderes fragmentados e de debilidade das instituições, foi dedicado precisamente ao tema da “reconstrução da confiança” – uma tarefa ciclópica e, por isso, impossível de ser resolvida através da troca de impressões entre as elites empresariais e políticas que se reúnem anualmente na estância alpina.

Todos os estudos e indicadores, na maioria dos países, sublinham a quebra dos índices de confiança dos cidadãos com os políticos e as mais diversas instituições. As guerras, a crise climática, a perda de credibilidade de muitas lideranças, as dúvidas criadas pelos avanços tecnológicos ao nível da Inteligência Artificial e o crescente sentimento de injustiça social – que perpassa em todas as latitudes – são alguns dos responsáveis por esta nova realidade, que está a provocar um profundo abalo nos regimes democráticos. Mas não são as únicas causas.

Há quase meio século, já o sociólogo alemão Niklas Luhmann tinha alertado para o que acontece a uma sociedade quando........

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